quarta-feira, 28 de março de 2012

CONTEXTO HISTÓRICO-POLÍTICO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO




Movimentos e articulações em defesa de um projeto educativo adequado às características do meio rural vêm se desenvolvendo desde a década de 1930, no contexto dos debates sobre a universalização da escola pública. No entanto, foi a partir da Primeira Conferencia Nacional por uma Educação Básica do Campo, realizada em Luziânia (GO), em 1998, que esse movimento incorporou o conceito de Educação do Campo. Esse encontro defendeu o direito dos povos do campo às políticas públicas de educação com respeito às especificidades, em contraposição às políticas compensatórias da educação rural.

Essa Conferência foi o resultado de um longo processo de luta dos povos organizados do campo e trouxe a especificidade da Educação do Campo associada à produção da vida, do conhecimento e da cultura do campo, apontando ações para a escola e para a formação de educadores.

A Educação do Campo, defendida pela Conferência, tratou da luta popular pela ampliação do acesso, permanência e direito à escola pública de qualidade no campo – as pessoas têm o direito de estudar no lugar onde vivem (dos agricultores, extrativistas, ribeirinhos, caiçaras, quilombolas, pescadores, seringueiros etc.), incorporando distintos processos educativos no seu Projeto Político Pedagógico.

Essa concepção de Educação do Campo foi incorporada ao documento das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, oriundas dos debates acumulados historicamente pelos movimentos sociais, pelas universidades, pelo governo e pelas ONG, entre outros grupos organizados que formaram a Articulação Nacional por uma Educação do Campo.

Nas Diretrizes, a identidade das escolas do campo é definida:

(...) pela sua vinculação às questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções exigidas por essas questões à qualidade social da vida coletiva no país. (art. 2°, parágrafo único CNE/CEB, 2002).

Na II Conferência Nacional por uma Educação do Campo, ocorrida em agosto de 2004, em Luziânia/GO definiu-se a ampliação de novos campos de luta para a Educação do Campo, sinalizando a consolidação de um projeto histórico de educação, conduzido e organizado pelos sujeitos sociais do campo. Recolocou-se o campo e a educação na agenda política do país, impulsionada pela luta pela democratização do acesso a terra e à educação escolar, como direito de todos e dever do Estado. Com isso, firma-se uma nova agenda política definida na Carta de Luziânia:

  • Defesa de um projeto de sociedade justa, democrática e igualitária; que contemple um projeto de desenvolvimento sustentável do campo, que se contraponha ao latifúndio e ao agronegócio.
  • Defesa de uma educação que ajude a fortalecer um projeto popular de agricultura, que valorize e transforme a agricultura familiar/camponesa e se integre na construção social de um outro projeto de desenvolvimento sustentável de campo e de país.
  • Defesa de uma educação para superar a oposição entre campo e cidade e a visão predominante de que o moderno e mais avançado é sempre o urbano, e que o progresso de um país se mede pela diminuição da sua população rural.
  • Defesa da mudança da forma arbitrária atual de classificação da população e dos municípios como urbanos ou rurais. Essa classificação transmite uma falsa visão do significado da população do campo em nosso país, e tem servido como justificativa para a ausência de políticas públicas destinadas a ela.
  • Defesa do campo como um lugar de vida, cultura, produção, moradia, educação, lazer, cuidado com o conjunto da natureza, e de novas relações solidárias que respeitem as especificidades sociais, étnicas, culturais e ambientais dos seus sujeitos.
  • Defesa de políticas públicas de educação articuladas ao conjunto de políticas que visem à garantia do conjunto dos direitos sociais e humanos do povo brasileiro que vive no e do campo. Políticas que efetivem o direito à educação para todos e todas e que este direito seja dever do Estado.
  • Construção de uma política especifica para a formação dos profissionais da Educação do Campo.

Ainda na II Conferência, a Educação do Campo foi tratada como uma questão nacional que necessita de políticas públicas a fim de elevar a escolarização dos povos do campo, a partir do diálogo entre os movimentos e as organizações sociais e sindicais, e as esferas federal, estadual e municipal.

Signatário da II Conferência o Ministério da Educação criou, em 2004, a Coordenação-Geral de Educação do Campo com a responsabilidade de elaborar e conduzir uma Política Nacional de Educação do Campo; institucionalizou o GPT – Grupo Permanente de Trabalho da Educação do Campo e incentivou a criação de Comitês/Fóruns e Coordenações Municipais e Estaduais de Educação do Campo.

Entre 2004 e 2005 foram realizados 25 Seminários Estaduais de Educação do Campo incentivados e apoiados pela SECAD/MEC. O principal objetivo foi a divulgação das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo. Participaram desse momento histórico representantes dos sistemas municipais e estaduais, do MEC e de universidades.

Ao final de cada Seminário foram firmados compromissos por meio das “Cartas dos Estados”, entre esses, a indicação da criação de Comitês de Educação do Campo e de Coordenações de Educação do Campo nas Secretarias Estaduais de Educação.

Um dos principais objetivos dos Comitês é discutir a realidade (os problemas, as soluções, as experiências e as especificidades) e propor alternativas para a educação do campo pautada nas Diretrizes Operacionais para Educação Básica nas Escolas do Campo.


 CONCEPÇÃO E FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


A concepção de uma educação a partir do campo e no campo foi formulada em um contexto de problematização de conceitos e idéias até então arraigados na sociedade brasileira, como tem sido o de educação rural. A concepção de Educação do Campo, em substituição à Educação Rural, entende campo e cidade enquanto duas partes de uma única sociedade, que dependem uma da outra e não podem ser tratadas de forma desigual.

A concepção de educação que historicamente pautou as iniciativas educacionais para o meio rural fundamenta-se, principalmente, na categorização urbano/rural, na qual o espaço rural é definido, de acordo com critérios do IBGE, pela sua localização geográfica e a baixa densidade populacional; por um projeto de desenvolvimento centrado nas atividades urbano-industriais, segundo o qual o campo tenderia ao desaparecimento, não sendo pertinente, portanto, o investimento em políticas estruturantes nesse espaço; pela concepção de rural enquanto espaço tipicamente de atividades agrícolas, priorizando o latifúndio.

Desse projeto social, resulta um modelo educacional pautado na oferta de educação mínima, restrita às primeiras séries do Ensino Fundamental; escolas em condições precárias; educadores com pouca formação e baixos salários, incorporação de conceitos urbanos que desconsideram a realidade e a vida camponesa, que alimentam a competitividade, o individualismo e desprezam as diferenças.

Por sua vez, a Educação do Campo é compreendida ao mesmo tempo como conceito em movimento, enquanto unidade político-epistemológica, que se estrutura e ganha conteúdo no contexto histórico, que se forma e se firma no conjunto das lutas de movimentos sociais camponeses; que se manifesta e transforma nas relações sociais, reivindicando e abrindo espaço para a efetivação do direito à educação, dentro e fora do Estado.

Nessa perspectiva, a Educação do Campo se diferencia da educação rural, pois é construída por e para os diferentes sujeitos, territórios, praticas sociais e identidades culturais que compõem a diversidade do campo. Ela se apresenta como uma garantia de ampliação das possibilidades de homens e mulheres camponeses criarem e recriarem as condições de existência no campo. Portanto, a educação é uma estratégia importante para a transformação da realidade dos homens e das mulheres do campo, em todas as suas dimensões.

O campo, compreendido a partir do conceito de territorialidade, é o lugar marcado pela diversidade econômica, cultural e étnico-racial. É espaço emancipatório quando associado à construção da democracia e de solidariedade de lutas pelo direito a terra, à educação, à saúde, à organização da produção e pela preservação da vida. Mais do que um perímetro não-urbano, o campo possibilita a relação dos seres humanos com sua própria produção, com os resultados de seu trabalho, com a natureza de onde tira o seu sustento. Se comprometida com a diversidade do trabalho e sua cultura, a educação terá também especificidades que precisam ser incorporadas nos projetos político-pedagógicos. Entendemos, no entanto, que o campo e a cidade são dois pólos de um continuam, duas partes de um todo, que não podem se isolar, mas, antes de tudo, articulam-se, completam-se e se alimentam mutuamente.

A Educação do Campo, então, se afirma na defesa de um pais soberano e independente, vinculado à construção de um projeto de desenvolvimento, no qual a educação é uma das dimensões necessárias para a transformação da sociedade, que se opõe ao modelo de educação rural vigente. Nessa perspectiva, a escola torna-se um espaço de análise crítica para que se levantem as bases para a elaboração de uma outra proposta de educação e de desenvolvimento. Nesse sentido, busca-se desenvolver uma proposta de educação voltada para as necessidades das populações do campo e para a garantia de escolarização de qualidade, tornando-se o centro aglutinador e divulgador da cultura da comunidade e da humanidade.

observação: artigo retirado do site http://www.cefaprocaceres.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=194:educao-do-e-no-campo&catid=14:artigos

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