terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Um pouco da historia da profissão docente

Este texto pretende analisar a profissionalização da profissão docente. Esta análise pretende trazer inicialmente as raízes históricas de desprestígio profissional do professor, que também se reflete na formação docente. Pretende-se explicar que as competências profissionais são essenciais para o processo de profissionalização e analisar em que espaço deve ocorrer seu desenvolvimento. Podemos classificar a profissão de professor como uma semiprofissão; como um ofício em vias de profissionalização. Isso quer dizer que falta a essa profissão uma base de conhecimentos teóricos e procedimentais comuns e uma explicitação dos próprios esquemas e das formas de desenvolvê-los e avaliá-los, como ocorre em outras profissões; ou pelo menos nas profissões com maior valorização social, como por exemplo advogados, médicos e engenheiros (grifo nosso). Percebe-se que nessas profissões há maior “controle de qualidade” na formação, estágios supervisionados com grande carga horária prática e controle, código de ética e Conselhos que regulam as normas profissionais (a quem se pode recorrer no caso de má conduta profissional). Os conhecimentos que tais profissionais devem deter são bem definidos e mensuráveis; pois qualquer erro no exercício da profissão pode acarretar conseqüências desastrosas.

Não obstante outras profissões da área de Ciências Humanas também sofrerem esse impasse, a profissão docente necessita diminuir a ambigüidade dos saberes que o profissional deve deter, bem como definir procedimentos comuns para atuação, pois todos os debates sobre formação de professores trazem representações muito distintas, que vão desde as ideologias do dom ao racionalismo prematuro (Perrenoud, 2001, p. 136). Isto é, há correntes que defendem que ensinar se trata de um talento da pessoa, e outras que falam a língua da engenharia didática ou da ciência do ensino.
 
De 1500 a 1759 imperou no Brasil a educação jesuítica, que tinha como objetivo principal a catequese. O conteúdo cultural transportado de Portugal para a Colônia brasileira era destinado a uma minoria dos donos de terras e senhores de engenho, excluindo-se desse público as mulheres e os filhos primogênitos, os quais deveriam assumir a direção dos negócios da família. Até então, a educação era humanista, destinada a dar cultura geral básica, sem preocupação de qualificar para o trabalho. A educação se manteve fechada e irredutível ao espírito crítico e de análise, à pesquisa e à experimentação. De cunho literário e humanista, a educação servia apenas para dar brilho à inteligência dos desocupados sociais. “O ensino, assim, foi conservado à margem, sem utilidade prática visível para uma economia fundada na agricultura rudimentar e no trabalho escravo” (Romanelli, 1997, p. 34). A educação dos jesuítas também formava sacerdotes; e os que não queriam seguir a carreira sacerdotal, os letrados, seguiam seus estudos a nível superior na Universidade de Coimbra.

A classe dirigente aos poucos foi tomando consciência do poder dessa educação na formação de seus representantes políticos junto ao poder público, e assim a educação passou a ter utilidade. A obra de catequese, que em princípio constituía o objetivo principal da presença da Companhia de Jesus no Brasil, acabou gradativamente cedendo lugar em importância à educação da elite, impregnada de uma cultura intelectual transplantada, alienada e alienante.[2] Observa-se que desde essa época já se evidencia a separação entre os produtores e os transmissores do saber, sendo destinado aos primeiros educadores realizar um bom trabalho técnico e pedagógico.

Em 1759 os jesuítas foram expulsos de Portugal e de seus domínios, pois surgiu um descontentamento geral devido ao fanatismo religioso, que promovia o atraso cultural; também contribuíram para isso a decadência econômica do Reino Unido e a expansão das idéias anticlericais do Marquês de Pombal. De 1759 a 1772 foram inúmeras as dificuldades para a criação de um novo sistema educacional, pois os educadores, de formação religiosa, não foram substituídos de imediato. Assim, transcorreram 13 anos depois da expulsão dos jesuítas para a nova estruturação. Leigos começaram a ser introduzidos no ensino e o Estado assumiu pela primeira vez os encargos da educação. A assunção do ensino pelo Estado provoca à imagem do professor o que Nóvoa coloca em relação a Portugal:

“Ao longo do século XIX consolida-se uma imagem do professor, que cruza as referências ao magistério docente, ao apostolado e ao sacerdócio, com a humildade e a obediência devidas aos funcionários públicos, tudo isto envolto numa auréola algo mística de valorização das qualidades de relação e de compreensão da pessoa humana. Simultaneamente, a profissão docente impregna-se de uma espécie de entre-dois, que tem estigmatizado a história contemporânea dos professores: não devem saber de mais, nem de menos; não se devem misturar com o povo, nem com a burguesia; não devem ser pobres, nem ricos; não são (bem) funcionários públicos, nem profissionais liberais”. (192, p. 16)

Pode-se dizer que a imagem que se tem hoje do professor está estigmatizada pela relação da Igreja com a educação, interferindo no processo de profissionalização da categoria.

Confirma Nóvoa que algumas pessoas têm do ensino a visão de uma atividade que se realiza com naturalidade, isto é, sem necessidade de qualquer formação específica (1992, p. 21). Tal visão é conseqüência de uma história recente, pois em algumas regiões do país ainda há professores leigos, ou sem formação específica, devido à carência de profissionais; e os mesmos ainda têm a permissão do Estado e são por ele recrutados. Isso logicamente não ocorre com outras profissões como a de engenheiro e médico, por exemplo; pelo contrário, há programas governamentais oferecendo salários bastante atrativos para médicos que se candidatarem a trabalhar no interior do Brasil.

No século XIX, período da Regência, surgiu uma classe intermediária na sociedade, formada por indivíduos ligados ao jornalismo, às letras e à política. Foi um período bastante conturbado, pois essa camada possuía uma visão mais crítica da realidade, e percebia o valor da educação como um instrumento de ascensão social. No entanto, o tipo de ensino que essa classe procurava era o mesmo da classe dominante, por ser o único que classificava. Com a presença por doze anos do príncipe regente D. João no Brasil, sensíveis mudanças ocorreram no quadro de instituições educacionais da época, sendo a principal a criação dos primeiros cursos superiores não teológicos da colônia.

Na segunda metade do século XIX, o Capitalismo Industrial engendra a necessidade de fornecer conhecimento a camadas cada vez mais numerosas, seja pelas exigências da própria produção, seja pelas necessidades do consumo que essa produção acarreta. Tornou-se condição de sobrevivência do sistema capitalista industrial ampliar a sua área social de atuação; e isso só é possível na medida em que as populações possuam condições mínimas de concorrer no mercado de trabalho e de consumir. Assim, a educação toma impulso e abrangência.

Pode-se concluir que a dificuldade da profissionalização da profissão docente reside nas mutantes fases e significados que teve a educação no Brasil, ao longo da sua história. Por vezes serviu para cultivar as coisas do espírito, outras vezes alimentou os interesses de ascensão da elite, depois foi “democratizada” para atender aos interesses do Capitalismo Industrial, e atualmente atende aos interesses de uma economia globalizada regulada pelo Mercado.

Em meio a essa rede de interesses está o professor. Nesse quadro é extremamente difícil enxergar a profissão docente com autonomia e poder. A profissão docente tem passado por um processo de proletarização, ao longo da história da educação brasileira, visto que a expansão escolar recrutou uma massa de profissionais sem as necessárias habilitações acadêmicas e pedagógicas. Desta forma, antagonicamente assiste-se à degradação do estatuto, dos rendimentos e do poder/autonomia. A tendência à diminuição da autonomia profissional do professor é reforçada pelas políticas públicas que tendem a separar os atores que planejam dos que executam; isto é, quem elabora os currículos e programas e quem os concretiza pedagogicamente. Tal fato vem desde a educação jesuítica ao transplantar uma cultura intelectual “alienada e alienante”. Junto a isso, mais recentemente, a qualidade do trabalho docente cede lugar à quantidade, devido à intensificação de tarefas administrativas que lhe são cobradas, perdendo-se assim competências coletivas importantes (Apple & Junger, 1990; in Nóvoa, 92, p. 24).

No meio educacional, correntes de origens diversas lutam por uma maior autonomia dos professores, no quadro da afirmação de um profissionalismo docente. Nóvoa, por exemplo, propõe que situemos a nossa reflexão para além das clivagens tradicionais (componente científico & pedagógico, disciplinas teóricas & disciplinas metodológicas), sugerindo novas maneiras de pensar a problemática da formação de professores. Para ele, algo pode ser feito no terreno da formação continuada. Afirma que a formação de professores pode desempenhar um papel importante na configuração de uma nova profissionalidade docente, estimulando a emergência de uma cultura profissional no seio do professorado e de uma cultura organizacional no seio das escolas (1992, p. 24).

Alguns professores acreditam ser suficiente dominar os conteúdos para ensiná-los, e mesmo quando admitem que as competências exigem mais do que o domínio de saberes eruditos ou de senso comum as tratam como talentos pessoais ou como habilidades menores em relação aos prestigiados saberes acadêmicos. Isso explica o pouco investimento na formação de competências de alto nível do professor, em comparação com outras profissões.
 
              Entre os diferentes grupos que atuam no campo dos saberes, pode-se dizer que os professores ocupam uma posição estratégica, porém socialmente desvalorizada. Os saberes valorizados pelos atores do próprio meio educacional são os saberes eruditos/científicos/acadêmicos. Cria-se assim uma dicotomia interna na categoria profissional, que certamente compromete sua legítima profissionalização. Não somente isso, mas o fato de os saberes serem produzidos e legitimados por outros, produz um certo distanciamento na relação do professor com o saber (op. cit., p. 40).

                 Os saberes experienciais têm origem na prática cotidiana dos professores em confronto com as condições da profissão – interações, obrigações e normas, a instituição. É nessa relação que se estabelecerá a defasagem com os saberes adquiridos na formação, provocando um efeito de retomada crítica (retroalimentação). Nesse sentido, a prática pode ser vista como um processo de aprendizagem através do qual os professores retraduzem sua formação e a adaptam à profissão, eliminando o que lhes parece inutilmente abstrato ou sem relação com a realidade vivida e conservando o que pode servir-lhes de uma maneira ou de outra. Nessa perspectiva, é que Tardif apóia sua tese de que os saberes experienciais não são saberes como os demais, mas sim formados por todos eles, porém, retraduzidos, polidos, e submetidos às certezas construídas na prática e na experiência (idem, pp 50 e 53).

            Essa dinâmica confere legitimidade aos saberes experienciais, que podem ser objetivados através do confronto entre os saberes produzidos pela experiência coletiva dos professores, sistematizando as certezas subjetivas para que se transformem num discurso da experiência. No cotidiano geralmente os professores partilham algumas de suas experiências, mas de forma difusa e limitada a pequenos grupos.
 
      É ponto pacífico que oportunizar momentos de trocas é importante, e logicamente haverá o compartilhamento dos saberes experienciais nesses momentos. Porém, para mobilizar esses saberes em busca da profissionalização docente, é preciso uma maior mobilização do Estado, pois o que separa o ensino de uma profissão plena é a dependência com relação ao Estado, o peso da hierarquia e a pouca autonomia profissional desfrutada pelos professores (Perrenoud, 2001, p. 160). Acredita-se que são necessárias mudanças estruturais a partir do Estado, para que a profissionalização docente realmente se processe. A primeira medida seria não permitir o exercício da função sem a devida formação/titulação. Porém isto é uma luta política, visto o desprestígio com que a educação vem sendo tratada neste país. A segunda medida seria unificar os currículos, para que qualquer instituição em qualquer região do país tenha acesso aos mesmos conhecimentos teóricos e procedimentos de trabalho.

 
             Quanto à formação continuada, alguns autores acreditam que essa formação fica bastante comprometida, pois atualmente as escolas estão tomadas por interesses financeiros e políticos, bem como problemas dos mais diversos tipos: são diretores indicados por políticos, que em alguns casos não têm compromisso com o pedagógico; ranços do funcionalismo público, que dificultam o esforço de integração feito pelo coordenador pedagógico; equipes pedagógicas desintegradas e envolvidas pelas tarefas burocráticas. Enfim, é uma estrutura viciada; porém, essas dificuldades não devem imobilizar o trabalho do pedagogo.

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