Classificação
O bullying é classificado como direto, quando as vítimas são atacadas diretamente, ou indireto, quando estão ausentes. São considerados bullying direto
os apelidos, agressões físicas, ameaças, roubos, ofensas verbais ou
expressões e gestos que geram mal estar aos alvos. São atos utilizados
com uma freqüência quatro vezes maior entre os meninos. O bullying indireto compreende atitudes de indiferença, isolamento, difamação e negação aos desejos, sendo mais adotados pelas meninas.
Uma nova forma de bullying, conhecida como cyberbullying,
tem sido observada com uma freqüência cada vez maior no mundo. Segundo
Bill Belsey, trata-se do uso da tecnologia da informação e comunicação
(e-mails, telefones celulares, mensagens por pagers ou celulares, fotos
digitais, sites pessoais difamatórios, ações difamatórias online) como
recurso para a adoção de comportamentos deliberados, repetidos e hostis,
de um indivíduo ou grupo, que pretende causar danos a outro(s). A
vitimização através de telefones celulares foi admitida por 14 a 23% dos
adolescentes entrevistados em três pesquisas.
Fatores de risco
Fatores
econômicos, sociais e culturais, aspectos inatos de temperamento e
influências familiares, de amigos, da escola e da comunidade, constituem
riscos para a manifestação do bullying e causam impacto na saúde e desenvolvimento de crianças e adolescentes.
O bullying é mais prevalente entre alunos com idades entre 11 e 13 anos, sendo menos freqüente na educação infantil e ensino médio.
Entre
os agressores, observa-se um predomínio do sexo masculino, enquanto
que, no papel de vítima, não há diferenças entre gêneros. O fato de os
meninos envolverem-se em atos de bullying mais comumente não
indica necessariamente que sejam mais agressivos, mas sim que têm maior
possibilidade de adotar esse tipo de comportamento. Já a dificuldade em
identificar-se o bullying entre as meninas pode estar relacionada ao uso de formas mais sutis.
Considerando-se que a maioria dos atos de bullying ocorre
fora da visão dos adultos, que grande parte das vítimas não reage ou
fala sobre a agressão sofrida, pode-se entender por que professores e
pais têm pouca percepção do bullying, subestimam a sua
prevalência e atuam de forma insuficiente para a redução e interrupção
dessas situações. A ABRAPIA identificou que 51,8% dos autores de bullying admitiram
não terem sido advertidos. A aparente aceitação dos adultos e a
conseqüente sensação de impunidade favorecem a perpetuação do
comportamento agressivo.
A
redução dos fatores de risco pode prevenir o comportamento agressivo
entre crianças e adolescentes. Os esforços devem ser direcionados para a
diminuição da exposição à violência no ambiente escolar, doméstico e
comunitário, além daquela divulgada pela mídia.
Formas de envolvimento dos estudantes
As
crianças e adolescentes podem ser identificados como vítimas,
agressores ou testemunhas de acordo com sua atitude diante de situações
de bullying. Não há evidências que permitam prever qual papel
adotará cada aluno, uma vez que pode ser alterado de acordo com as
circunstâncias.
A
forma de classificação utilizada pela ABRAPIA teve o cuidado de não
rotular os estudantes, evitando que estes fossem estigmatizados pela
comunidade escolar. Adotaram-se, então, os termos autor de bullying (agressor), alvo de bullying (vítima), alvo/autor de bullying (agressor/vítima) e testemunha de bullying.
Alvos de bullying
Considera-se
alvo o aluno exposto, de forma repetida e durante algum tempo, às ações
negativas perpetradas por um ou mais alunos. Entende-se por ações
negativas as situações em que alguém, de forma intencional e repetida,
causa dano, fere ou incomoda outra pessoa.
Em geral, não dispõe de recursos, status ou habilidade para reagir ou cessar o bullying.
Geralmente, é pouco sociável, inseguro e desesperançado quanto à
possibilidade de adequação ao grupo. Sua baixa auto-estima é agravada
por críticas dos adultos sobre a sua vida ou comportamento, dificultando
a possibilidade de ajuda. Tem poucos amigos, é passivo, retraído,
infeliz e sofre com a vergonha, medo, depressão e ansiedade. Sua
auto-estima pode estar tão comprometida que acredita ser merecedor dos
maus-tratos sofridos.
O
tempo e a regularidade das agressões contribuem fortemente para o
agravamento dos efeitos. O medo, a tensão e a preocupação com sua imagem
podem comprometer o desenvolvimento acadêmico, além de aumentar a
ansiedade, insegurança e o conceito negativo de si mesmo. Pode evitar a
escola e o convívio social, prevenindo-se contra novas agressões. Mais
raramente, pode apresentar atitudes de autodestruição ou intenções
suicidas ou se sentir compelido a adotar medidas drásticas, como atos de
vingança, reações violentas, portar armas ou cometer suicídio.
Algumas
características físicas, comportamentais ou emocionais podem torná-lo
mais vulnerável às ações dos autores e dificultar a sua aceitação pelo
grupo. A rejeição às diferenças é um fato descrito como de grande
importância na ocorrência de bullying. No entanto, é provável que
os autores escolham e utilizem possíveis diferenças como motivação para
as agressões, sem que elas sejam, efetivamente, as causas do assédio.
Embora não haja estudos precisos sobre métodos educativos familiares que incitem ao desenvolvimento de alvos de bullying,
alguns deles são identificados como facilitadores: proteção excessiva,
gerando dificuldades para enfrentar os desafios e para se defender;
tratamento infantilizado, causando desenvolvimento psíquico e emocional
aquém do aceito pelo grupo; e o papel de "bode expiatório" da família,
sofrendo críticas sistemáticas e sendo responsabilizado pelas
frustrações dos pais.
Nos
casos em que alunos armados invadiram as escolas e atiraram contra
colegas e professores, cerca de dois terços desses jovens eram vítimas
de bullying e recorreram às armas para combater o poder que os
sucumbia. As agressões não tiveram alvos específicos, sugerindo que o
desejo era o de "matar a Escola", local onde diariamente todos os viam
sofrer e nada faziam para protegê-los.
É pouco comum que a vítima revele espontaneamente o bullying sofrido,
seja por vergonha, por temer retaliações, por descrer nas atitudes
favoráveis da escola ou por recear possíveis críticas. Na pesquisa da
ABRAPIA, 41,6% dos alunos alvos admitiram não ter falado a ninguém sobre
seu sofrimento. O silêncio só é rompido quando os alvos sentem que
serão ouvidos, respeitados e valorizados. Conscientizar as crianças e
adolescentes que obullying é inaceitável e que não será tolerado permite o enfrentamento do problema com mais firmeza, transparência e liberdade11.
Autores de bullying
Algumas
condições familiares adversas parecem favorecer o desenvolvimento da
agressividade nas crianças. Pode-se identificar a desestruturação
familiar, o relacionamento afetivo pobre, o excesso de tolerância ou de
permissividade e a prática de maus-tratos físicos ou explosões
emocionais como forma de afirmação de poder dos pais.
Fatores
individuais também influem na adoção de comportamentos agressivos:
hiperatividade, impulsividade, distúrbios comportamentais, dificuldades
de atenção, baixa inteligência e desempenho escolar deficiente.
O autor de bullying é
tipicamente popular; tende a envolver-se em uma variedade de
comportamentos anti-sociais; pode mostrar-se agressivo inclusive com os
adultos; é impulsivo; vê sua agressividade como qualidade; tem opiniões
positivas sobre si mesmo; é geralmente mais forte que seu alvo; sente
prazer e satisfação em dominar, controlar e causar danos e sofrimentos a
outros. Além disso, pode existir um "componente benefício" em sua
conduta, como ganhos sociais e materiais. São menos satisfeitos com a
escola e a família, mais propensos ao absenteísmo e à evasão escolar e
têm uma tendência maior para apresentarem comportamentos de risco
(consumir tabaco, álcool ou outras drogas, portar armas, brigar, etc).
As possibilidades são maiores em crianças ou adolescentes que adotam
atitudes anti-sociais antes da puberdade e por longo tempo.
Pode
manter um pequeno grupo em torno de si, que atua como auxiliar em suas
agressões ou é indicado para agredir o alvo. Dessa forma, o autor dilui a
responsabilidade por todos ou a transfere para os seus liderados. Esses
alunos, identificados como assistentes ou seguidores, raramente tomam a
iniciativa da agressão, são inseguros ou ansiosos e se subordinam à
liderança do autor para se proteger ou pelo prazer de pertencer ao grupo
dominante.
Testemunhas de bullying
A maioria dos alunos não se envolve diretamente em atos de bullying e
geralmente se cala por medo de ser a "próxima vítima", por não saberem
como agir e por descrerem nas atitudes da escola. Esse clima de silêncio
pode ser interpretado pelos autores como afirmação de seu poder, o que
ajuda a acobertar a prevalência desses atos, transmitindo uma falsa
tranqüilidade aos adultos.
Grande
parte das testemunhas sente simpatia pelos alvos, tende a não culpá-los
pelo ocorrido, condena o comportamento dos autores e deseja que os
professores intervenham mais efetivamente. Cerca de 80% dos alunos não
aprovam os atos de bullying.
A forma como reagem ao bullying permite
classificá-los como auxiliares (participam ativamente da agressão),
incentivadores (incitam e estimulam o autor), observadores (só observam
ou se afastam) ou defensores (protegem o alvo ou chamam um adulto para
interromper a agressão).
Muitas
testemunhas acabam acreditando que o uso de comportamentos agressivos
contra os colegas é o melhor caminho para alcançarem a popularidade e o
poder e, por isso, tornam-se autores de bullying. Outros podem
apresentar prejuízo no aprendizado; receiam ser relacionados à figura do
alvo, perdendo seu status e tornando-se alvos também; ou aderem ao bullying por pressão dos colegas.
Quando as testemunhas interferem e tentam cessar o bullying,
essas ações são efetivas na maioria dos casos. Portanto, é importante
incentivar o uso desse poder advindo do grupo, fazendo com que os
autores se sintam sem o apoio social necessário.
Alvos/autores de bullying
Aproximadamente 20% dos alunos autores também sofrem bullying,
sendo denominados alvos/autores. A combinação da baixa auto-estima e
atitudes agressivas e provocativas é indicativa de uma criança ou
adolescente que tem, como razão para a prática de bullying,
prováveis alterações psicológicas, devendo merecer atenção especial.
Podem ser depressivos, inseguros e inoportunos, procurando humilhar os
colegas para encobrir suas limitações. Diferenciam-se dos alvos típicos
por serem impopulares e pelo alto índice de rejeição entre seus colegas
e, por vezes, pela turma toda. Sintomas depressivos, pensamentos
suicidas e distúrbios psiquiátricos são mais freqüentes nesse grupo.
Conseqüências
Alvos,
autores e testemunhas enfrentam conseqüências físicas e emocionais de
curto e longo prazo, as quais podem causar dificuldades acadêmicas,
sociais, emocionais e legais. Evidentemente, as crianças e adolescentes
não são acometidas de maneira uniforme, mas existe uma relação direta
com a freqüência, duração e severidade dos atos de bullying.
Pessoas que sofrem bullying quando
crianças são mais propensas a sofrerem depressão e baixa auto-estima
quando adultos. Da mesma forma, quanto mais jovem for a criança
freqüentemente agressiva, maior será o risco de apresentar problemas
associados a comportamentos anti-sociais em adultos e à perda de
oportunidades, como a instabilidade no trabalho e relacionamentos
afetivos pouco duradouros.
O simples testemunho de atos de bullying já é suficiente para causar descontentamento com a escola e comprometimento do desenvolvimento acadêmico e social.
Prejuízos financeiros e sociais causados pelo bullying atingem também as famílias, as escolas e a sociedade em geral. As crianças e adolescentes que sofrem e/ou praticam bullying podem
vir a necessitar de múltiplos serviços, como saúde mental, justiça da
infância e adolescência, educação especial e programas sociais.
O
comportamento dos pais dos alunos alvo pode variar da descrença ou
indiferença a reações de ira ou inconformismo contra si mesmos e a
escola. O sentimento de culpa e incapacidade para debelar o bullying contra
seus filhos passa a ser a preocupação principal em suas vidas, surgindo
sintomas depressivos e influenciando seu desempenho no trabalho e nas
relações pessoais. A negação ou indiferença da direção e professores
pode gerar desestímulo e a sensação de que não há preocupação pela
segurança dos alunos.
A
relação familiar também pode ser seriamente comprometida. A criança ou
adolescente pode sentir-se traído, caso entenda que seus pais não
estejam acreditando em seus relatos ou quando suas ações não se mostram
efetivas.
Medidas preventivas
Avaliar
o bom desempenho dos estudantes pelas notas dos testes e cumprimento
das tarefas não é suficiente. Perceber e monitorar as habilidades ou
possíveis dificuldades que possam ter os jovens em seu convívio social
com os colegas passa a ser atitude obrigatória daqueles que assumiram a
responsabilidade pela educação, saúde e segurança de seus alunos,
pacientes e filhos.
Todos os programas anti-bullying devem
ver as escolas como sistemas dinâmicos e complexos, não podendo
tratá-las de maneira uniforme. Em cada uma delas, as estratégias a serem
desenvolvidas devem considerar sempre as características sociais,
econômicas e culturais de sua população.
O envolvimento de professores, funcionários, pais e alunos é fundamental para a implementação de projetos de redução do bullying.
A participação de todos visa estabelecer normas, diretrizes e ações
coerentes. As ações devem priorizar a conscientização geral; o apoio às
vítimas de bullying, fazendo com que se sintam protegidas; a
conscientização dos agressores sobre a incorreção de seus atos e a
garantia de um ambiente escolar sadio e seguro.
O fenômeno bullying é
complexo e de difícil solução, portanto é preciso que o trabalho seja
continuado. As ações são relativamente simples e de baixo custo, podendo
ser incluídas no cotidiano das escolas, inserindo-as como temas
transversais em todos os momentos da vida escolar.
Deve-se encorajar os alunos a participarem ativamente da supervisão e intervenção dos atos de bullying,
pois o enfrentamento da situação pelas testemunhas demonstra aos
autores que eles não terão o apoio do grupo. Treinamentos através de
técnicas de dramatização podem ser úteis para que adquiram habilidade
para lidar de diferentes formas. Uma outra estratégia é a formação de
grupos de apoio, que protegem os alvos e auxiliam na solução das
situações de bullying.
Os professores devem lidar e resolver efetivamente os casos de bullying,
enquanto as escolas devem aperfeiçoar suas técnicas de intervenção e
buscar a cooperação de outras instituições, como os centros de saúde,
conselhos tutelares e redes de apoio social.
Aos
alunos autores, devem ser dadas condições para que desenvolvam
comportamentos mais amigáveis e sadios, evitando o uso de ações
puramente punitivas, como castigos, suspensões ou exclusão do ambiente
escolar, que acabam por marginalizá-los.
cortesia:Aramis A. Lopes Neto
Sócio
Fundador Associação da Brasileira Multiprofissional de Proteção à
Infância e à Adolescência (ABRAPIA). Coordenador do Programa de Redução
do Comportamento Agressivo entre Estudantes. Diretor da Diretoria dos
Direitos da Criança da SOPERJ. Médico da Prefeitura da Cidade do Rio de
Janeiro
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